Um alívio para a culpa materna
Edição #320: Uma nova forma de pensar sobre cansaço, presença e culpa na maternidade
A culpa perder a cabeça e gritar com elas.
Por dar só cheeseburger e macarrã final de semana.
Por deixar na TV para eu dormir um pouco mais no fim de semana. Ou ler um livro. Ou ter um momento de paz.
Por não gostar de brincar de massinha.
Por não ter paciência para ouvir os detalhes da décima terceira briga com as melhores amigas da semana.
Por me trancar no banheiro para poder jogar um jogo no celular.
Por ter deixado ficar horas no iPad durante a pandemia.
Por não levar no clube para gastar energia todo fim de semana.
Por deixar almoçar brigadeiro quando está doente.
Por esquecer de dar o remédio.
Por preferir ler um livro a montar Lego.
Por ter um limite de quantas partidas de Rummikub eu dou conta em um único dia.
Por trabalhar, estudar ou escrever enquanto elas me chamam para brincar.
Por chegar exausta no final do dia e só ter energia para assistir a mais um episódio de Ted Lasso.
Por ter aqueles lampejos de querer largar tudo e fugir.
O objetivo era escrever uma lista completa das minhas culpas para falar sobre culpa materna, mas ao colocar todas no papel, percebi que esse sentimento me torna humana. “Eu sou uma pessoa!”, eu vivo lembrando as meninas. Tenho sono, cansaço, preguiça, falta de vontade. Sou falha - o oposto da mãe ideal que vive no Instagram dando receitas de como fazer massinha caseira orgânica e comestível. Eu compro massinha pronta e não abro o pote com medo de estragar as unhas.
Sou mãe há onze anos e descobri que não fica mais fácil. As culpas vão se acumulando numa torre monstruosa que aponta para o céu todos os meus defeitos. Parece que existe um alto-falante interno que me martela o dia todo: “Você devia me doar mais. Devia ter mais paciência. Devia ser uma mãe melhor.”
Lembro da fala do Winnicott sobre a mãe suficientemente boa. A mãe ideal seria um peso insustentável para os filhos. O que precisamos é apenas suficientemente boas. Atender às necessidades, criar um ambiente seguro, deixar explorar. Fácil de falar, mas difícil de colocar em prática frente a todas as demandas bem reais que minhas filhas me trazem.
A Bia, no alto dos seus onze anos, diz que eu não dou tempo ou energia suficientes para ela. Reclama que eu prefiro assistir TV passivamente com ela ao invés de conversar (mais) sobre as (infindáveis) brigas na escola. A Izzy, de três anos e sem tantos recursos, apenas grita: “Eu quero a minha mamãaaaaae!”
Passei os últimos tempos chafurdando nessa lama da culpa materna. Até que ouvi no começo da semana uma fala diferente sobre o assunto. Um amigo disse: “Se está pesado, é porque você está presente. Só não sente esse peso quem não vive a maternidade intensamente. E se você está presente, não há porque ter culpa.”
Virou assunto na terapia, na conversa com amigas, no papo com o marido. Virou tema da newsletter. A frase ficou martelando aqui dentro e me acompanhou em todas as minhas interações com as meninas. Ontem à noite eu tinha uma palestra e saí de casa sem culpa, mesmo com a Izzy pedindo por mim. Fiquei de coração apertado? Sem dúvida. Mas não havia culpa de nada. Sei que estou presente em todas as outras noites.
Fico agora relembrando o tempo todo: o cansaço e a exaustão que sinto são sinais de que estou presente na vida das minhas filhas. E se estou cansada, fico liberada da culpa. Está funcionando por aqui - e espero que ajude você também.
Tem uma amiga que uma vez me perguntou - quando eu estava em uma crise de culpa - se, no caso de eu estar em uma ilha deserta só eu e minha filha, eu faria algo diferente ou apenas seguiria meu instinto sem culpa. A partir daí eu percebi que a culpa vem mto do olhar do outro. E cada vez que ela vem eu me pergunto: isso é meu ou é por vergonha do olhar do outro? Ou por medo de como vão me julgar como mãe?
Resolve mta coisa? Não! Mas pelo menos é uma forma de não se sentir tão mal. Que saco esse negócio de culpa materna né?
eu hoje sou uma mãe coberta de culpas. A adolescência chegou por aqui e está sendo desafiador demais